Esta semana que passou, este episódio mais uma vez se repetiu. O acontecimento de agora fez-me lembrar um outro de há alguns anos atrás. Um desses veículos pesados, composto por tractor e semi-reboque entrou na minha faixa de rodagem vindo de uma rua sem prioridade, pois era um acesso de uma propriedade particular. Ignorando completamente o veículo onde eu seguia, continuou a sua marcha à mesma velocidade que trazia antes de entrar na minha “mão”. Muito assustado com a sua manobra, pois tive de travar bruscamente para não ter sido “passado a ferro”, a primeira coisa que me lembrei foi de buzinar longamente, fazendo chegar ao condutor do “pesado” o som do meu descontentamento.
Já depois de termos percorrido cerca de cem metros, eu continuava a buzinar, pois não via outro modo de fazer corrigir o erro daquele condutor que seguia à minha frente. Qual não foi o meu espanto, quando de repente, tendo-se acabado as pressas, o veículo se imobiliza em plena faixa de rodagem e de dentro da cabine sai de lá um “camelão” de todo o tamanho com um ferro comprido e grosso, dirigindo-se na
minha direcção, dando urros e transmitindo sons que mais pareciam serem emitidos por um animal selvagem ferido de dor.
Como o “animal” não desistia da sua intenção de fazer chegar aquele ferro ao seu destino que pelo seu andamento, deveria ser as minhas costas, cabeça ou não sei mais oquê, limitei-me a não lhe dar tempo de ele cumprir aquilo que na sua mente vinha destinado a fazer. Graças a Deus tive reflexos para me deslocar rapidamente daquele lugar e nada de mais grave aconteceu, senão aqueles dois sustos. Um, de ver um camião atravessar- se no meu caminho e outro por ver um “animal” enraivecido, parecido apenas com um homem na sua forma, do qual eu tive de fugir a “sete pés” para não ser literalmente massacrado por quem, apenas, foi chamado à razão do seu erro.
O maior problema dos Homens é eles serem todos tão parecidos uns com os outros que nunca sabemos bem quando é que dentro deles se encontra verdadeiramente um Homem.
Quando tirei a minha carta de condução e comecei a minha aventura na estrada, os meus acompanhantes no carro, muito se admiravam quando eu agradecia aos outros condutores por eles buzinarem para mim. Uma chamada de atenção pelos nossos erros é sempre de agradecer, pois só os verdadeiros amigos o fazem
a tempo. Depois daquele acto tresloucado, outros condutores de camiões já fizeram outras manobras parecidas, mas nunca mais me atrevi a buzinar-lhes.
A visão do “homem”, entre aspas, porque não sei bem se aquilo também
é ser homem, vejo-a muitas vezes, quando me sinto impotente para chamar à razão tantas pessoas que cometem erros e não dão a mínima hipótese de a minha “buzina” os fazer emendar. Bastaria muitas vezes
que as pessoas, mesmo não vindo de ferro na mão, ouvissem o que lhe queremos transmitir. Não o fazendo,
para aquele que pretende ser verdadeiro amigo e avisar os erros do próximo, o efeito é o mesmo que senti quando me vi ameaçado pelo “homem do ferro”. Resta-nos fugir da situação, não vá a coisa complicar-se para o nosso lado quando a nossa intenção, é ajudar a consertar algo que verificamos não estar bem e que
nos sentimos na obrigação moral de ajudar a corrigir.
Praticar a cidadania é podermos exercer os nossos direitos de cidadão. Deveriamos sempre poder
exercê-lo sem termos receio de estarmos sujeitos a que qualquer um se lembre de vir de lá com o seu
“ferro” na mão e machucar os que apenas têm intenções de ajudar.
O meu desejo para o novo ano é que este “ferro” deixe de ser a palavra de ordem, seja qual for a forma em que ele é empunhado. O “ferro” pode ser o silêncio, como resposta às nossas ideias, quando elas por inconveniência, não interessam a quem são remetidas.
O “ferro” pode ser o desinteresse demonstrado por aqueles que têm na mão o poder de decisão de sonhos que outros tentam a todo o custo realizar e não conseguem.
O meu sonho é que todos consigam realizar as suas ideias, os seus projectos, alcançar os seus objectivos, convencendo o homem do “ferro” que o efeito da “buzina” é apenas o de alertar para novos erros e que as outras pessoas, seja qual for o seu "tamanho", também tenham as mesmas possibilidades de seguirem o seu caminho com paz, ordem e tranquilidade.
Carlos Brito
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