terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Trabalhosa


Não me lembro bem se sonhei ou se é real o caso que aqui vou contar, tantos foram já os anos passados, assim como tantos casos eu já tive oportunidade de conhecer.

Já lá vai muito tempo, em que eu fui fazer uma viagem para o norte do país e visitei uma terra que se chamava Trabalhosa. Quando entrei na localidade, a placa indicava este nome algo estranho e logo tentei saber a razão, pelo qual deram este nome áquela terra. Parei junto duma lojinha antiga que vendia mercearias que tinha também uma secção de taberna. Pedi uma água para beber e logo perguntei à senhora que me serviu, qual a origem do nome de Trabalhosa, se era alguma lenda ou se alguma coisa tinha acontecido ali, que fosse razão para ser dado aquele nome.

Noutros tempos era normal encontrar pessoas simpáticas nas lojas, tabernas, cafés e outros serviços de atendimento ao público. A senhora também muito simpática, logo me informou que o nome de Trabalhosa, segundo lhe disse o seu avô, que lhe tinham dito também os seus avós, teve origem logo na fundação da localidade. Eles contavam que uma família numerosa, ali chegou há muito tempo, apenas com a pouca roupa que traziam no corpo. Os mais velhos decidiram radicar-se ali, pois os terrenos eram aráveis e assim teriam boas pastagens para o gado e boas colheitas que permitiam matar a fome a todos eles.

Os elementos da família trabalhavam na agricultura, única actividade existente durante muitos anos. Com o crescimento do número de pessoas que entretanto tinham nascido , foi necessário organizar todo aquele povoado e orientar os seus habitantes.

O patriarca da família, um ancião de longa idade, um homem sábio, conseguiu através do trabalho de toda a família, criar riqueza suficiente para manter aqueles que o acompanharam até ali e também os que entretanto nasceram.

O velho ancião, tendo em conta todo o seu trabalho e da sua família, denominou aquele povoado de Trabalhosa, que era agora uma cidade próspera na qual todos diziam que valia a pena viver, trabalhar e investir.

Passados muitos anos voltei áquela região e fui visitar novamente a cidade de Trabalhosa. Tudo estava diferente, a evolução dos tempos e o progresso da sociedade, tinham transformado tudo o que eu tinha presenciado muitos anos antes.

A cidade de Trabalhosa já não existia, aquela linda cidade que eu conheci, tinha-se dividido e a sua população, vivia em duas novas cidades, cujos nomes ainda tinha mais de estranho, eram agora as cidades de Laboriosa de Cima e Ociosa de Baixo.

Tentei descurtinar onde ficava situada aquela lojinha da senhora simpática, se é que ainda existia. Com muito custo, lá encontrei o estabalecimento, totalmente na mesma como o tinha conhecido anteriormente. Perguntei pela senhora ao rapaz que estava ao balcão e ele indicou-me para o canto direito da sala. Ali estava ainda a senhora simpática e com um sorriso, perguntou quem eu era. Feitas as apresentações, a senhora ainda lúcida, brotou uma lágrima e contou-me o que tinha acontecido.

Um homem muito rico entrou na vida da antiga cidade e com muita habilidade conseguiu virar os seus habitantes uns contra os outros. Estes tinham como lema e objectivos de vida, o trabalho, e devido a esse comportamento, todos tinham um bom nível de vida e respeitavam-se entre si.

Aquele homem de grande fortuna, comprou tudo o que podia, desde fábricas, estabelecimentos comerciais e de serviços e contratou pessoal também das firmas que não tinham feito as vendas a seu favor. Passado algum tempo, o homem rico, estava ainda mais rico e parte dos habitantes da terra, estava cada vez mais pobre, longe do nível de vida atingido anteriormente.

Aqueles que venderam os seus bens ou foram trabalhar para o detentor de parte da riqueza da terra, hoje são pessoas de fracos rendimentos, vivem do seu trabalho por conta de outrém que não lhes permite ter um nível de vida e de bem estar minimamente razoável. Muitos deles, nem sequer têm já trabalho e vivem de subsídio de desemprego e da caridade dos que se mantêm fiéis aos princípios do fundador da cidade.

Os habitantes vivem agora divididos entre duas cidades, os de Laboriosa de Cima, são cidadãos que trabalham para a sua comunidade, uns são empresários e outros assalariados, mas ambos motivados para atingir os objectivos de bem estar social.

Em Ociosa de Baixo, governa o municipio o líder dos ociosos de nome Passos Dias de Boavida. Os seus munícipes trabalham para um regime idealizado por ele e pelo homem rico, os dois sem quaisquer espécie de escrúpulos. Ambos fundadores desta cidade, marginalizam os trabalhadores e os outros empresários. É uma cidade triste onde impera a lei do mais forte. Quem lá vive, espera dias melhores, a reunificação das duas cidades é pedida pela população, os interesses financeiros têm falado mais alto e os mais fortes impedem que tal aconteça. Os habitantes de Ociosa de Baixo, encontram-se na situação de braços caídos e desmoralizados, não prevendo um futuro melhor.

Segundo me contou a senhora idosa, diz-se lá na terra que um dia os oprimidos pelo regime da cidade, hão-de juntar-se e motivados ganharão coragem e voltarão a viver tal como os seus “irmãos” da outra cidade. Às escondidas, sem que ninguém pudesse reparar, mostrou-me um pequeno papel, tipo panfleto, onde estava escrito: “Quando os oprimidos tiverem um mínimo de consciência, ai dos...” e o resto não consegui decifrar bem, pois a mulher teve medo de um, dizia ela, capanga do presidente, que entretanto entrava no seu estabelecimento.


Carlos Brito

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