Quando eu era criança e andava na escola primária, agora não se chama mais assim, à escola primária chama-se actualmente o primeiro ciclo, era também aluno da escola, um rapaz um pouco mais velho, mas muito mais alto que era conhecido pelo nome de “gigante”. Como era muito grande, todos tínhamos medo dele. Ele mostrava os músculos e dizia que era o mais forte de todos. Ele era sempre o primeiro a comer as ameixas das árvores que existiam na escola, só depois dele comer ameixas até se fartar é que os outros alunos poderiam também comer. O “gigante” pensava que se nós comessemos ameixas ao mesmo tempo, poderia dar-se o caso das ameixas depois não chegarem para ele.
Nas brincadeiras todos gostávamos de estar do lado dele, pois o “gigante” era o mais forte da escola e assim, do seu lado, nunca nos aconteceria nada de mal. Todos queriam ter o “gigante” como amigo, pois ser amigo do “gigante” era também ser forte como ele. Aqueles mais chegados ao gigante, diziam aos outros que também eram fortes porque eram amigos do “gigante”.
Então os alunos daquela escola estavam divididos em dois grupos: os amigos do “gigante” e os que não eram amigos do “gigante”. O grupo dos amigos do “gigante” cada vez era maior, pois todos queriam ser amigos do “gigante”. O outro grupo que faziam parte aqueles que não eram ainda amigos do “gigante”, limitavam-se a estudar e a aperfeiçoarem-se nas matérias escolares. Eram bons a História, mas não eram amigos do “gigante”. Eram bons a Geografia, mas não eram amigos do “gigante”. Eram bons em todas as matérias, já que estudavam, mas tinham um problema muito grande, não eram amigos do “gigante”. Como não eram amigos do “gigante”, não pertenciam ao grupo dos fortes.
O “gigante” vendo que já tinha muitos alunos da escola pertencentes ao seu grupo, começou a deixar estes comerem também as ameixas. Os outros que não faziam parte do grupo do “gigante” só estavam autorizados a comer ameixas depois daqueles que faziam parte do grupo do “gigante” terem comido ameixas. Na época em que as ameixas começavam a escassear só o “gigante” e os que faziam parte do seu grupo poderiam comer ameixas. Aqueles que não faziam parte do grupo do “gigante” não poderiam comer ameixas, porque não pertenciam ao grupo dos mais fortes. Eram bons alunos na escola, sabiam bem as matérias ensinadas pelos professores, mas tinham um problema muito grande, não pertenciam ao grupo do “gigante”. Não sendo amigos do “gigante”, como iriam enfrentar a vida no futuro ?!
O “gigante” e o seu grupo eram os mais fortes da escola, esses sim estavam bem preparados para enfrentar a vida no futuro. Todos os outros tinham medo deles, afinal apenas eram bons alunos, preparados para trabalhar e, quem sabe, para um dia serem chamados a ter responsabilidades na governação do país. Essa ideia passava-lhes pela cabeça, mas como seria possível chegar a tão alto patamar se nem sequer eram amigos do “gigante” ?
Um belo dia, estava o “gigante” e o seu grupo comendo ameixas, quando um raio de uma trovoada atingiu a árvore e “gigante” caiu dela abaixo, vindo com ele alguns dos seus amigos que também comiam ameixas. A queda não foi boa para o “gigante” e ficou imobilizado no chão. Os amigos tentaram reanimá-lo, mas sem qualquer êxito. Soubemos anos mais tarde que o “gigante” permanecia vivo, mas que se encontrava moribundo. Os amigos do “gigante”, não soubemos mais deles, mas ao que tudo indica, teriam sido chamdos a ter responsabilidades na governação do país. Os outros que não eram amigos do “gigante” soubemos que estavam a trabalhar algures pelo país, para que um dia, já sem o perigo do “gigante” ser o mais forte, todos os alunos da escola possam comer ameixas por igual,
Carlos Brito
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