terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Poleiro


A criança é a fase mais bela da vida humana, tudo o que está à sua frente é bonito, tudo tem graça e tudo é coisa nova. O que foi visto ontem, já nada tem de novo hoje e amanhã parece que o mundo é outro. Pois é assim a vida enquanto somos crianças, aprendemos tudo o que vimos fazer e melhor ainda, aquilo que nos ensinam.

Nesta fase maravilhosa é muito importante que nos dediquem muito tempo e tenham muita paciência com a gente. Parecemos ser muito chatos, mas apenas o que pretendemos é que nos dêem a atenção devida a que temos direito, apenas pelo facto de termos nascido.

Neste aspecto, hoje as crianças estão a perder oportunidade de sentir muitas sensações que não lhes são proporcionadas no processo da aprendizagem. O tempo é sempre muito pouco para atender as necessidades de uma criança quando ela precisa de todo o tempo do mundo para ser criança.

No meu tempo de criança, noutros tempos, certamente não se vivia entulhado com tanta fartura de tanta coisa como hoje se vive. Este “fornecimento” de tudo o que for possível darmos à criança, serve apenas para a entreter, para a calar e para tentar esquecer que ela precisa de mais do que isso que parece tudo. A criança precisa muito mais de atenção, que lhe permita ter o seu espaço de criança, que tenha oportunidade para brincar como uma criança e assim poder sujar-se, experimentar a sensação de mexer na terra, ervas e objectos que a criança gosta e não aqueles que os adultos preferem.

Esta introdução, vem a propósito de muitas sensações que eu e muitas crianças do meu tempo sentíamos. Coisas simples mas maravilhosas, não tínhamos estaleiros de brinquedos, mas podíamos brincar com tudo o que houvesse para brincar e nos despertasse a atenção. Isso era aprendizagem, as crianças desenvolviam bastante a sua auto-estima e isso era bom para o seu ego.

Lembro-me que as crianças iam brincar para casa uma das outras e iam sozinhas. Os pais ou os irmãos mais velhos da casa onde estávamos a brincar é que se responsabilizavam pelas crianças que nesse dia brincavam em sua casa.

Uma cena que não mais esqueci era aquilo a que chamávamos o “deitar das galinhas”. Cerca de uma hora antes de chegar a noite as primeiras galinhas procuravam os seus lugares no poleiro. Este poleiro era feito com dois paus ao alto nos quais eram pregados outros paus mais finos a atravessar, nos quais as galinhas se iriam colocar ordenadamente.

Todos os dias as galinhas, nos galinheiros das diversas casas que tinham galinhas, se colocavam no poleiro pela mesma ordem. No primeiro pau, o de cima, colocavam-se os galos e as galinhas mais fortes e eram os primeiras a ocupar o lugar. Se alguma galinha mais fraca ocupasse aquele lugar, logo era forçada a deixá-lo e ocupar o seu lugar, no segundo pau abaixo do primeiro e depois pela mesma ordem de força iam ocupando os restantes lugares.

Durante muitos anos, enquanto crianças fomos assistindo, áquelas cenas que representavam nos galinheiros a hierarquia das galinhas e também a lei do mais forte.

Já adolescente uma pessoa adulta me explicou qual o motivo das galinhas mais fortes ocuparem os lugares de cima e as mais fracas ocuparem os lugares de baixo. Qual não foi o meu espanto, pois era ainda um jovem com cerca quinze ou dezasseis anos, quando o Sr. Vitor, pessoa muito respeitada pela sua sabedoria e pelas coisas que falava me disse com bastante e convicção: “As galinhas mais fortes ficam sempre no poleiro de cima para poderem defecar em cima das galinhas mais fracas que são obrigadas a ficar em baixo”

Na altura fiquei muito chocado com a afirmação que ouvi, ainda por cima vinda de um adulto. Hoje que tenho a sua idade, percebo bem o que é que ele quiz dizer com aquela frase.

Espero que um dia os poleiros só tenham um pau e que seja o pau de cima onde todos possam ocupar o seu lugar por mérito próprio e não serem obrigados pela força ou por outros métodos a ocupar os lugares de baixo.

 
Carlos Brito

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